segunda-feira, 5 de julho de 2010

Futebol é muito mais do que entretenimento


"O futebol, tal como foi incorporado e praticamente reinventado no Brasil, tem muito a dizer, com sua linguagem não-verbal, sobre algumas de nossas forças e fraquezas mais profundas, ajudando a ver sob outra luz questões centrais da nossa formação e identidade. O futebol não é mero 'reflexo' da sociedade, mas tampouco se desenvolve à margem dela; é uma instância em que as linhas de força e de fuga do embate social e da construção do imaginário se apresentam de modo ao mesmo tempo claro e cifrado, como costuma acontecer com as expressões artísticas" (Trecho retirado do postal divulgado pelo Centro Cultural Banco do Nordeste, que informava o horário do debate "O Futebol e o Brasil", realizado em 2009, com as participações de José Miguel Wisnik e Ciro Câmara).

Uma das grandes dificuldades que estudantes de jornalismo enfrentam na escolha do jornalismo esportivo como principal área de atuação é o preconceito. Muitos consideram que o jornalismo de esportes, principalmente quando é especializado em futebol, reduz a capacidade de criação do profissional.

Claro que futebol é entretenimento, mas não pode ser visto, apenas, a partir dessa perspectiva. Ao analisarmos a história do desenvolvimento do futebol brasileiro, percebemos que todo o processo histórico de popularização desse esporte no Brasil esteve ligado à formação política nacional. Desde a vinda de imigrantes, que trouxeram o novo esporte ao País, até o uso da Copa de 2014 como objeto de promoção eleitoral para o PT.

A partir do futebol, é possível fazer uma análise estrutural do Brasil. Será que é por acaso que os jogadores brasileiros são bastante talentosos? Será que é coincidência que as eleições brasileiras estejam programadas para o mesmo ano em que ocorre a Copa do Mundo?

Na Copa do Mundo de 2006, o atacante francês Henry afirmou que não possuía mais talento que os jogadores brasileiros, pois era obrigado a estudar 5 horas por dia quando era criança. Enquanto os brasileiros podiam ficar jogando futebol durante todo o dia. Até que ponto as deficiências do sistema educacional brasileiro podem contribuir para a qualidade do futebol nacional? A análise da história do Brasil mostra que os governos se preocuparam mais em formar bons atletas para a conquista de Mundiais do que em formar centros educacionais organizados que priorizassem a formação de estudiosos que levassem o desenvolvimento ao País.

É evidente que a ditadura militar se aproveitou da conquista do tricampeonato, em 1970, para propagar a ideia de que o regime ditatorial estava levando o Brasil ao reconhecimento como grande potência mundial. Segundo Carlos Heitor Cony, o período de Copa do Mundo é o único momento em que o brasileiro, que vive fora do País, é tratado como cidadão de uma nação de “primeiro mundo”. Com o processo de abertura lenta e gradual ocorrido na década de 1980, um dos mecanismos criados para iludir os eleitores nos momentos de escolha do voto foi a realização das eleições no mesmo ano em que ocorre a Copa do Mundo. Se não podiam mais manipular abertamente pela força, mecanismos ideológicos invisíveis foram criados para iludir a população.

Não se pode tratar o futebol, apenas, como entretenimento, portanto. Não podemos ignorar a importância do futebol na história do Brasil. Infelizmente, grande parte dos profissionais do jornalismo esportivo atual se atém a fatos referentes ao jogo. A maioria deles se restringe ao estudo de dados e estatísticas. Focalizam somente em irrelevantes discussões sobre lances polêmicos, gols da rodada e se esquecem de que o fenômeno “Futebol” é muito maior do que saber quem foi o jogador brasileiro mais jovem a participar de uma Copa do Mundo. Armando Nogueira, Nelson Rodrigues, Juca Kfouri e outros grandes nomes do verdadeiro jornalismo esportivo devem lamentar a trivialidade em que o futebol é tratado na maioria do programas de mesa-redonda atuais.

Qual a contribuição do jornalista esportivo para a transformação social? Ora...independente da área de atuação, o jornalista pode ter seu talento desperdiçado, quando não foge do básico. Mesmo que trabalhe na editoria de política, economia ou esporte, os jornalistas podem ter seus potenciais totalmente anulados, caso tenham medo de inovar.

Foto: ionline.pt

Um comentário:

  1. Falou muito bonito, Alan.

    O jornalismo esportivo é submetido enormemente a um preconceito desleixado, capaz de subestimar a capacidade do indivíduo que conduz a profissão. Isso é um absurdo!

    Claro que o jornalismo esportivo não é a única profissão no mundo submetida a isso, mas pegando como exemplo, fica o excelente texto com uma senhora crítica a todos aqueles que pensam besteira antes de conhecer ou, até mesmo, viver determinada situação.

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